Este texto vai lançar um desafio: que tal ir para a cozinha preparar um prato feito com aquela parte do boi, do porco ou da galinha que você nunca compra, mas que pode ser uma delícia?

Aventurar-se com as chamadas “partes menos nobres” leva sabores surpreendentes à mesa, custa menos, muda a relação que temos com o alimento e promete lançar um novo olhar sobre o ato de cozinhar.
Língua, rabo, fígado, orelha... Por que será que ingredientes tão presentes nas cozinhas de países como Espanha, França, Itália e Portugal levam tanta gente no Brasil a torcer o nariz?

Para Josimar Melo, crítico de gastronomia e apresentador do programa O Guia, da Rede Fox, o preconceito não está na boca. “Nosso país tem vastos espaços para a pecuária. A Europa tem pouco. Com isso, a carne deles é mais cara, e o bicho é valorizado inteiro”, diz.
E nós? “Com os preços mais acessíveis e a correria da vida contemporânea, é mais fácil chegar em casa e jogar o bife na frigideira. Desprezamos os miúdos e as carnes de segunda porque elas costumam ser mais duras. Precisam de mais tempo de cozimento”, completa.
Uma pena. Porque o resultado de um bom cozido ou guisado com eles costuma ser tão inusitado quanto delicioso. Língua ao molho madeira, rabada ao curry, ossobuco (pé de vitela) cozido com vinho branco e caldo de carne…

Mas há opções mais rápidas. Josimar Melo lembra de um petisco de boteco fácil de fazer, o fígado em tiras acebolado. E dá uma receita supernutritiva que prepara com fígado de galinha.
“Tempero os fígados com sal e pimenta e jogo na frigideira aquecida com azeite. Tem de ficar fritinho por fora e malpassado por dentro. Retiro a carne e, na mesma frigideira, ainda quente, coloco vinagre balsâmico e gotas de vinho tinto. Acerto o sal e desligo o fogo. Jogo um pouco de azeite e coloco de volta os fígados. Depois de morno, despejo tudo por cima de uma salada caprichada.”

O ato de valorizar o animal da cabeça ao rabo ganhou força com o movimento Slow Food. E tem o respaldo de chefs famosos. Em uma de suas palestras mais polêmicas, no MAD Food Camp, em Copenhagen, Alex Atala matou uma galinha no palco e discutiu a importância de não desperdiçar cortes alternativos.
Na última edição do Gastronomix, em Curitiba, o preparo das carnes de segunda também foi contemplado. O evento, conhecido como a quermesse da alta gastronomia ao ar livre, reúne alguns dos nomes mais importantes do país. Confira abaixo o vídeo com um pouco do que aconteceu em sua 14º edição:
Texto por Priscila Pastre: Por nove anos, Priscila viajou para comer para a Folha de São Paulo. Primeiro no caderno Turismo. Depois, no Comida. Por outros três anos, seguiu conhecendo o mundo e seus sabores como editora da revista da LATAM, produzida pela New Content. Foi jurada do 50 Best, que elege os melhores restaurantes do mundo.